Importante relatório detalha problemas e avanços nas finanças do Vaticano

Um importante relatório sobre as finanças do Vaticano elaborado pelo Comitê de Especialistas em Avaliação de Medidas Anti-Lavagem de Dinheiro e Financiamento do Terrorismo (Moneyval) foi divulgado na metade de julho e mal discutido na imprensa internacional.

Neste post, queremos apresentar um pouco do que diz esse documento, uma das mais relevantes análises sobre a Santa Sé dos últimos tempos. Queríamos tratar do relatório na ocasião do lançamento, mas ele é meio complicado e demandou um certo tempo. O texto tem mais de 240 páginas.

Primeiro, vamos explicar o que é o Moneyval e o motivo desse relatório. Quem quiser pular essa parte pode ir direto para os resultados, logo abaixo.

CONTEXTO – O Moneyval é uma agência do Conselho Europeu que se dedica a combater a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo em seus países membros, entre os quais está a Santa Sé. Para quem não sabe, segundo o Moneyval, lavagem de dinheiro é o processo por meio do qual criminosos atribuem uma origem aparentemente legítima a um dinheiro obtido  com o crime. É um “fenômeno internacional cada vez mais comum e pode afetar principalmente economias que passam por transformações ou que oferecem significativas oportunidades para o investimento estrangeiro”.

O porquê desse relatório: Depois de uma série de escândalos sobre as finanças do Vaticano ao longo das últimas décadas – sobre os quais falamos neste post que trata da nova lei financeira da Santa Sé – , o Papa Bento XVI resolveu que chegou a hora de o Vaticano se adaptar aos padrões internacionais de transparência e regulação financeira.

Por meio do Secretário de Estado do Vaticano,  Cardeal Tarcisio Bertone, Bento XVI solicitou em fevereiro de 2011 que o Moneyval fizesse uma análise detalhada das finanças da Santa Sé e da Cidade do Vaticano. A avaliação se baseou nas leis, regulações e outros materiais apresentados pela Santa Sé, além de informações obtidas pelo Moneyval em visitas ao Vaticano entre 20 e 26 de novembro de 2011 e de 14 a 16 de março de 2012.

Para não enrolar demais, podemos dizer que o relatório descreve e analisa medidas adotadas pela Santa Sé para adequar suas finanças às principais determinações da Força-Tarefa de Ação Financeira (FATF), uma organização intergovernamental que envolve vários países. Enfim, o documento “descreve e analisa essas medidas e oferece recomendações sobre como certos aspectos do sistema podem ser fortalecidos”, afirma o Moneyval.

RESULTADOS – O relatório faz um verdadeiro raio-x sobre a economia do menor país do mundo. Por exemplo: recorda que no Vaticano não há uma economia de mercado, isto é, os agentes econômicos (famílias, empresas e governo) não estão livres. No Vaticano, não há negócios independentes e, em vez disso, há um regime de monopólio público nos setores financeiro, econômico e profissional. “Por isso, as autoridades consideram que a ameaça de lavagem de dinheiro e financiamento de terrorismo são muito baixas“, diz o texto. “No entanto, nenhuma avaliação de risco havia sido feita até então.”

Sendo assim, os avaliadores encontraram características que podem aumentar a possibilidade de que esses crimes ocorram, como: a movimentação de altos volumes em dinheiro e eletronicamente; a disseminação global de suas atividades financeiras; e a disponibilidade limitada de informações sobre as organizações sem fins lucrativos que operam na Santa Sé e na Cidade do Vaticano. O Moneyval considerou como instituições financeiras o Instituto para as Obras Religiosas (IOR, o chamado “Banco do Vaticano”) e Administração do Patrimônio da  Sé Apostólica (APSA).

Das principais descobertas do Moneyval, destacamos algumas. A primeira é o fato de que o Vaticano avançou rapidamente na adoção de medidas necessárias para evitar a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo, de acordo com o Moneyval.

Entre os avanços, estão a nova lei de combate à lavagem de dinheiro decretada pelo Papa Bento XVI e a criação da Autoridade de Informações Financeiras (AIF), unidade de inteligência e supervisão. A agência observa, ainda, que a lavagem de dinheiro foi criminalizada na Vaticano como pedem os padrões internacionais, mas ainda não é possível saber se a aplicação das normas é eficiente, pois não houve nenhum caso de investigação desde as mudanças.

Mas o Moneyval pondera que os passos dados até então são insuficientes. Sobre a recém-criada AIF, afirma que “parece haver uma falta de clareza sobre o papel, a responsabilidade, a autoridade, os poderes e a independência da AIF como supervisora”. O Moneyval recomenda também um maior rigor no monitoramento e no controle das relações comerciais e transações.

E mais. Diz que o Banco do Vaticano precisa definir em estatuto quais são as categorias de pessoas que podem manter uma conta e sugere que o banco seja supervisionado por uma entidade independente (supomos que se refira a uma auditoria ou uma agência de classificação de risco), o que não acontece hoje.

Monsenhor Ettore Balestrero

Além disso, o Moneyval critica a ausência de reguladores para as movimentações financeiras das obras sem fins lucrativos. Outra debilidade apontada é o sistema de registro de transações financeiras suspeitas, mesmo numa economia relativamente pequena. “A eficiência do sistema de registros é questionável”, diz o documento.

O Vaticano ficou satisfeito com o relatório. “Demos um passo definitivo lançando os alicerces de uma ‘casa’. Agora queremos construir um ‘edifício’ que demonstre a vontade da Santa Sé e do Estado da Cidade do Vaticano de ser um ‘companheiro’ confiável na comunidade internacional”, afirmou à imprensa o subsecretário para as Relações com os Estados da Secretaria de Estado do Vaticano, Monsenhor Ettore Balestrero.

SEM PRECEDENTES – Percebe-se, portanto, importantes observações feitas pelo Moneyval. O vaticanista italiano Sandro Magister, do L’Espresso, identificou nos resultados do relatório um avanço sem precendentes. “Pela primeira vez, a Santa Sé submeteu os seus institutos e as suas leis ao juizo de um árbitro externo, internacional. Pela primeira vez, se deixou atribuir uma opinião e recebeu as tarefas de uma autoridade secular”, comentou.

Magister avalia, ainda, que a presença do Moneyval dentro do Vaticano nos obriga “mais uma vez a reescrever o perfil convencional do Papa Bento XVI”. Segundo o jornalista, “o professor de teologia se revelou no momento um homem de governo inflexível. Deu a ordem de que no campo financeiro tudo seja feito (de forma) transparente e exemplar, mesmo à custa de fazer explodir dentro dos muros do Vaticano uma dureza sem precedentes. E assim foi”.

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