Procurei o arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Pedro Scherer, no início deste ano de 2021 para que me falasse mais sobre como a Igreja deve se envolver na difusão de mensagens positivas sobre a vacina contra COVID-19. Aumenta a desinformação sobre vacinas, por uma série de motivos que explicamos nesta reportagem para a America Magazine.
Não foi possível inserir todas as falas de Dom Odilo naquele texto, portanto, editei suas respostas em forma de entrevista, que reproduzo abaixo.
Um dos motivos para a atual resistência de algumas pessoas às vacinas é o medo do desconhecido. Mas Dom Odilo não descarta o negacionismo quanto “à aceitação da própria realidade do vírus”. Também pesam as informações falsas “produzidas e difundidas por sabe lá quais motivos e interesses” e, finalmente, “preconceitos ideológicos e motivações políticas”.

Filipe Domingues: Dom Odilo, como o senhor encara a resistência às vacinas que observamos no Brasil, mesmo todos os dados científicos demonstrando sua eficácia?
Cardeal Scherer: Eu fico impressionado com a polêmica que se criou em torno da vacina contra o novo coronavírus e a COVID-19. A produção de vacinas é uma conquista da ciência e da medicina modernas, que tornou possível prevenir e superar epidemias e pandemias. No caso da COVID-19, houve um enorme esforço da ciência, da medicina e também de investimentos econômicos para se chegar à produção de vacinas (diversas) em tempo recorde. E agora, que as vacinas estão chegando, há um certo movimento de resistência às vacinas.
É um fenômeno não apenas brasileiro, mas mundial, que precisa ser melhor estudado. Na verdade, não foi diferente em outras ocasiões, como no caso da “Gripe Espanhola”, há um século… Também houve resistência e muito preconceito!
Domingues: De onde vem esse negacionismo quanto às vacinas de hoje?
Scherer: Um dos motivos é a natural desconfiança e certa resistência em relação ao “novo”; resistência também em relação à aceitação da própria realidade do vírus e da doença, apesar dos milhões de infectados, doentes e também dos centenas de milhares de falecidos em consequência da COVID-19.
A resistência pode estar ligada à pouca informação, ou à desinformação [“fake-news”] produzida e difundida por sabe lá quais motivos e interesses. Mas também pode estar ligada simplesmente a preconceitos ideológicos e motivações políticas.
Domingues: O que podemos fazer no Brasil para incentivar a vacinação, seja no âmbito da conscientização seja no âmbito do diálogo com autoridades públicas?
Scherer: De minha parte, tenho recomendado inúmeras vezes ao povo, através da imprensa, das mídias sociais e da palavra pessoal nas celebrações litúrgicas e em outros momentos, que se tomem todos os cuidados e as medidas recomendadas pela ciência e pelas autoridades sanitárias para evitar o contágio e a disseminação do novo Coronavírus. Tenho também alimentado, através dos mesmos meios, uma expectativa positiva em relação às vacinas, tão logo elas chegassem.
E a quem me pergunta, se vou ser vacinado, confirmo sem titubear que sim. Quero ser vacinado logo que isso for possível.
E explico por quais motivos devemos tomar a vacina: porque é segura, uma vez que passa por inúmeros testes científicos e rigorosas certificações; porque é questão de preservação da própria saúde e da vida; porque é necessária para cortar a difusão do vírus e para preservar a saúde e a vida das demais pessoas.
Por fim, considero que é questão de solidariedade e responsabilidade social, e até de respeito e justiça, uma vez que nossa decisão de tomar a vacina pode beneficiar os outros; e a decisão de não tomar a vacina pode ser fator de risco para outras pessoas e para a saúde pública.
Domingues: A Congregação para Doutrina da Fé, no Vaticano, confirmou recentemente o ensinamento da Igreja sobre vacinas para a COVID-19. Considerou legítima a sua utilização, dentro de certas condições, pois em alguns casos as vacinas usam células reproduzidas em laboratório…
A polêmica em torno do eventual uso de material retirado de embriões humanos abortados no processo de produção da vacina já foi resolvida pela palavra clara e oficial da Congregação para a Doutrina da Fé: a existência de um impedimento moral para se tomar a vacina, mesmo se essa hipótese fosse confirmada, fica descartada.
Além do mais, essa hipótese não diz respeito a todos os processos de produção da vacina e, portanto, não deve ser usada de maneira generalizada como argumento para rejeitar a tomada da vacina.
Domingues: A Pontifícia Academia para a Vida também defendeu as vacinas em um documento recente. E o Papa insiste que os mais vulneráveis devem ser os primeiros a receber. Como o senhor associa esses pedidos à ética cristã e à prática da Doutrina Social?
Scherer: O Papa Francisco, tomando a vacina, está dando o exemplo, que deveria ser imitado por todos. Por outro lado, ele recomendou explicitamente a todos que tomem a vacina por ser isso um dever moral e de responsabilidade pública. Sem meias palavras, ele orientou que todos “devem” tomar a vacina. E vem insistindo há meses que ninguém deveria ficar excluído da vacina.
Na arquidiocese de São Paulo, estamos nos dispondo a colaborar com os serviços públicos de saúde, no que for necessário e possível, para que a vacinação chegue também aos locais das periferias urbanas e aos grupos mais vulneráveis. Por enquanto, ainda houve pouca solicitação nesse sentido [em janeiro de 2021].
Portanto, que os povos e grupos sociais mais pobres e vulneráveis tenham a mesma oportunidade de tomar a vacina que os demais. Antes, que esses recebam atenção prioritária na aplicação das vacinas.
