A grande incerteza econômica causada pela atual pandemia está atingindo também o Vaticano. Em entrevista ao vaticanista Andrea Tornielli o prefeito da Secretaria para a Economia afirma que, apesar de sentir o forte impacto econômico, o Vaticano não corre o risco de quebrar.
O padre jesuíta Juan Antonio Guerrero Alves é uma espécie de “ministro da Economia” do Papa Francisco. Assumiu o cargo em janeiro deste ano, com a missão de dar continuidade à reforma das finanças do Vaticano. A ideia é promover mais transparência e alinhar o pequeno Estado aos padrões internacionais no uso do dinheiro e na gestão do patrimônio.
“O Vaticano não corre o risco de default“, esclareceu. Em economia, o “default” é quando uma pessoa ou entidade perde as condições de cumprir com suas obrigações financeiras.
Guerrero prevê que a crise provoque uma queda de 25% nas receitas do Vaticano, podendo chegar a 45%, conforme projeções mais pessimistas. Isso depende da queda das doações dos fiéis, dos repasses que vêm das dioceses de todo o mundo e da queda de receita com aluguéis de imóveis.
Como não é uma empresa, a Igreja não deve se preocupar excessivamente com déficits, diz o padre Guerrero. Mas isso não quer dizer que ela possa ser menos clara em suas práticas econômicas.
O tamanho do rombo
As principais fontes de receita do Vaticano são doações, aluguéis de imóveis e a gestão de seus ativos financeiros, além de atividades de algumas entidades – como os museus do Vaticano, por exemplo.
“São números muito menores do que muitos imaginam. Menores do que uma universidade americana média, por exemplo”, comentou o sacerdote jesuíta, conhecido por um estilo sóbrio também na vida pessoal.
Entre 2016 e 2020, o Vaticano registrou déficits na casa dos 60-70 milhões de euros (dependendo do ano, em torno de 270 milhões em receitas e 320 milhões em despesas), disse ele.
Guerrero explicou, ainda, que 45% dos gastos são com funcionários, outros 45% vão para “despesas gerais e de administração”, além de 7,5% repassados adiante em forma de doações.
A crise da Covid-19 faz com que as despesas tenham que ser reduzidas agora “com mais determinação”, disse ele. E ainda assim é previsto um aumento do déficit. “Mas nenhum corte atingirá os mais vulneráveis”, garantiu.
Visão missionária
“O que estamos vivendo é um tempo único”, declarou o ‘ministro’ do Papa.
“Mas devemos compreender também o que é essencial e o que não é. Ao mesmo tempo, nem tudo pode ser medido só como déficit, e tampouco como mero custo, na nossa economia”, acrescentou o pare Guerrero, explicando que o objetivo da Igreja não é obter lucro.
“Nosso empenho deve ser aquele de máxima sobriedade e máxima clareza. O nosso deve ser um ‘balanço de missão'”, definiu Guerrero, no site Vatican News.
Isso quer dizer que a Santa Sé deve alinhar suas finanças a uma visão mais ampla, isto é, a noção pastoral da Igreja: suas finanças existem para sustentar a evangelização.
“Atrás do balanço existe a missão, o serviço que essas despesas tornam possível”, resumiu.
Mitos financeiros
Ao longo da entrevista, padre Guerrero abordou alguns temas comumente tratados na opinião pública sem grande detalhamento: o primeiro, a falsa ideia de que a Igreja não paga impostos; e o segundo, a noção de que os recursos do Óbolo de São Pedro, fundo para caridade do Papa é desviado para cobrir o rombo da Cúria Romana.
Segundo Guerrero, cerca de 6% do orçamento do Vaticano é destinado ao pagamento de impostos na Itália, ou 17 milhões de euros. Quanto ao Óbolo de São Pedro, embora seja verdade que parte dos recursos seja destinada à manutenção da Cúria, ele observa:
“Não é justo dizer que o déficit se financie com o Óbolo de São Pedro como se o Óbolo cobrisse um buraco. O Óbolo é também uma doação dos fiéis: financia a missão da Santa Sé, que inclui a caridade do Papa, e que não tem recursos suficientes”, justificou o prefeito da Secretaria para a Economia.
Além disso, Guerrero explica que não é justa a comparação do Vaticano com outros países do mundo, que têm vários instrumentos de política monetária e fiscal. De fato, o país não tem a própria moeda – já que funciona com o euro – e tampouco tem setores produtivos, indústrias, como um país normal.
“Nós podemos contar somente com a generosidade dos fiéis, com um pequeno patrimônio e a capacidade de gastar menos. Ao contrário do que tantos pensam, aqui não existem grandes salários”, apontou, sinalizando um terceiro mito sobre as finanças do Vaticano.
Recuperação da confiança
Depois de uma série de escândalos financeiros nas últimas décadas, que levaram até mesmo a condenações de ex-funcionários na Justiça, o Vaticano luta para recuperar sua boa imagem na gestão dos ativos.
Desde o pontificado de Bento XVI, tem-se investido (não sem dificuldades) em auditorias financeiras externas e mudanças nas lideranças das instituições financeiras: os principais são a Secretaria para a Economia, o Instituto para Obras de Religião (IOR, conhecido popularmente como “Banco do Vaticano”) e a Administração do Patrimônio da Sé Apostólica (APSA).
Com o Papa Francisco, as mudanças se acentuaram e, apesar das dificuldades, as reformas têm avançado. Sob Francisco, o cardeal australiano George Pell foi o primeiro Secretário da Economia. Afastado após acusações de abusos sexuais (saiu para responder a processos e, por fim, foi absolvido), o Papa nomeou o padre Guerrero para a função.
Guerrero mencionou alguns aspectos do desafio de recuperar a confiança das pessoas na capacidade de gestão financeira da Santa Sé.
Ele admitiu que, muitas vezes no passado, confiou-se em pessoas que não mereciam credibilidade. Mas crescer em transparência permite que os velhos erros sejam evitados.
Isso inclui, por exemplo, ter uma comissão independente que supervisione os investimentos da Igreja. “A cofiança se ganha com rigor, clareza e sobriedade”, respondeu o economista. “E também admitindo com humildade os erros do passado”, disse.

