
Apesar da forte imagem que rodou o mundo na sexta-feira, 27, o Papa Francisco não estava sozinho na Praça de São Pedro. Mais de 11 milhões de pessoas assistiram pelos meios de comunicação à oração pelo fim da pandemia do novo coronavírus, concluída com a bênção “Urbi et Orbi” – que quer dizer “Para a cidade [de Roma] e para o mundo”.
Esse “momento extraordinário de oração”, como definiu o Vaticano, foi, de fato, histórico. Normalmente, essa importante bênção ocorre somente na Páscoa e no Natal, as duas datas mais importantes do calendário litúrgico. Com ela, é concedida a indulgência plenária – ou seja, o perdão das penas a serem pagas no purgatório pelos pecados cometidos na Terra.
Nesta situação excepcional de uma epidemia global, Papa Francisco rezou profundamente pelas dores do mundo e enviou uma bênção igualmente especial, para um momento em que mais da metade da população mundial vive em isolamento.
- Texto publicado originalmente no jornal O São Paulo
Juntos, superar o medo
“Estamos todos no mesmo barco”, disse ele, comentando o texto do Evangelho de São Marcos (4,35) em que Jesus está com os discípulos em uma barca durante a tempestade. Já durante a noite, os discípulos demonstram medo, enquanto Jesus dorme tranquilo na embarcação e diz: “Por que vocês têm medo? Ainda não têm fé?”
Interpretando o texto bíblico na situação atual, afirmou o Papa Francisco: “Não podemos ir em frente sozinhos, por conta própria, mas somente juntos”. E “Jesus está na popa, na parte do barco que afunda primeiro, mas dorme sereno, confiante no Pai.”
Embora sejamos todos “frágeis e desorientados”, somos chamados a resistir juntos e confrontar o grande desafio que está à nossa frente. “Também nós percebemos que não podemos ir em frente sozinhos, mas somente unidos”, afirmou, referindo-se indiretamente à epidemia da doença Covid-19.
Assim como os discípulos questionaram Jesus “Não te importa que estejamos perdidos?”, é possível que também nós estejamos indignamos, temendo a solidão e a morte. Mas essa frase, “não te importa” fere, diz Papa Francisco, e casou desconforto até mesmo em Jesus. “Ninguém mais do que Ele se importa conosco. Uma volta invocado, salva seus discípulos desconfiados.”
https://platform.twitter.com/widgets.jsExplicando de um jeito simples a indulgência plenária, que o Papa Francisco concede hoje na #UrbietOrbi, de forma excepcional: não é o perdão de todos os pecados, mas das chamadas “penas temporais”, que são penas a pagar depois da morte, pelos pecados que cometemos na terra… 1/
— Filipe Domingues (@filipedomingues) March 27, 2020
Vulneráveis, mas não sozinhos
Dois símbolos acompanharam o Papa Francisco nessa oração. O primeiro, o crucifixo da igreja de São Marcelo, em Roma, tido como milagroso por ter ajudado a acabar com peste em 1522, após ser levado em procissão pelas ruas da cidade. O outro, o ícone de Nossa Senhora “Salus Populi Romani”, ou seja, a “Protetora do Povo Romano”.
Um altar provisório foi montando na entrada da Basílica de São Pedro, para que as portas ficassem abertas para o mundo. O silêncio dominou a praça. Após a oração, seguiu-se um momento de oração e a bênção “Urbi et Orbi”, com o Santíssimo Sacramento.
A Praça de São Pedro estava vazia, um cenário de filme talvez nunca visto antes. Embora a cena fosse triste, a mensagem do Papa é de esperança: “Nós nos pertencemos como irmãos”, declarou. “A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa descobertas aquelas falas e supérfluas seguranças com as quais construímos nossas agendas, nossos projetos, nossos hábitos e prioridades.”

A fé liberta do medo
Continuamos com guerras, pobreza, não ouvimos o grito de socorro do planeta Terra, disse ele. “Pensávamos de poder continuar saudáveis em um planeta doente.” Mas Deus nos dá a chance de retornar a Ele e mudar.
“A fé liberta do medo e dá esperança”, disse o Papa Francisco em sua reflexão. “Sozinhos afundamos. Precisamos do Senhor, como os antigos navegantes das estrelas. Convidemos Jesus às barcas das nossas vidas. Com ele a bordo, não há naufrágio”, completou.
É o momento de ajustar a rota dessa barca desorientada, acrescentou o Papa, e direcionar-se novamente para Deus. “É o tempo de escolher entre o que conta e o que passa, de separar o que é necessário daquilo que não é.” No meio dessa tempestade, dessa pandemia, “o Senhor se desperta para nos despertar e reavivar a nossa fé”.
https://platform.twitter.com/widgets.jsA igreja ficou compeltamente destruída. Os fiéis começaram a se reunir para rezar a seus pés. Quando, 3 anos depois, veio a peste, as pessoas saíram com o crucifixo em procissão até a Basílica de São Pedro. Demorou mais de duas semanas e a epidemia perdeu força na cidade. 2/ pic.twitter.com/LyM2Vzp4Nt
— Filipe Domingues (@filipedomingues) March 27, 2020
