Defender os oprimidos levando o Evangelho: o ‘sonho eclesial’ do Papa Francisco para a Amazônia

Construir uma Igreja com rosto amazônico é o “sonho eclesial” do Papa Francisco. Ele apresenta esse ideal em sua exortação apostólica pós-sinodal “Querida Amazônia”, publicada no mês passado após a realização da assembleia especial do Sínodo dos Bispos para a Amazônia.

Nessa visão, ele diz que é preciso expandir as estruturas da Igreja na região amazônica. Também é necessário, diz ele, garantir que a Igreja continue sendo próxima dos pobres e sofredores, dos povos nativos, contra as injustiças e harmonicamente multicultural. Porém, sem deixar de lado aquilo que a define: a difusão da mensagem de Jesus Cristo.

“Nós, cristãos, não renunciamos à proposta de fé que recebemos do Evangelho. Mesmo que queiramos lutar com todos, lado a lado, não nos envergonhamos de Jesus Cristo. Para os que se encontraram com Ele, vivem em sua amizade e se identificaram com sua mensagem, é inevitável falar dele e aproximar dos demais a sua proposta de vida nova.”

Papa Francisco, ‘Querida Amazônia, n. 63
Foto: Vatican Media

A Amazônia carece de sacerdotes. Para suprir isso, o Papa pede orações e um esforço missionário maior das dioceses do mundo inteiro, especialmente dos nove países onde estão localizados os territórios amazônicos. Insiste na difusão dos ministérios laicais, com a formação de leigos preparados, inclusive com uma maior liderança das mulheres.

Nesta última de quatro análises publicadas no jornal O São Paulo com chaves de leitura para os “sonhos” do Papa Francisco, conforme a “Querida Amazônia”, apresentamos o seu “sonho eclesial”.

A opção pelos mais pobres

A tradicional escolha da Igreja pelos que mais precisam de mais ajuda – como uma mãe que dá atenção ao filho mais necessitado – está evidente em “Querida Amazônia”. Mas Francisco esclarece que a Igreja existe, essencialmente, para levar aos outros a pessoa de Jesus Cristo.

Ouvir o grito dos povos amazônicos quer dizer assisti-los tanto materialmente quanto espiritualmente. A mensagem da Igreja não é puramente social, diz o Papa.

“A autêntica opção pelos mais pobres e esquecidos, ao mesmo tempo que nos move para libertá-los da miséria material e defender seus direitos, implica propor-lhes a amizade com o Senhor que os promove e dignifica.”

Papa Francisco, ‘Querida Amazônia’, n. 63

Por outro lado, não basta levar a eles apenas um código de regras morais sobre como viver. Ao contrário, “se damos a vida por eles, pela justiça e a dignidade que eles merecem, não podemos lhes ocultar que o fazemos porque reconhecemos Cristo neles, e porque descobrimos a imensa dignidade que lhes dá o Deus Pai que os ama infinitamente”. (QA 63)

Foto: Vatican Media
Foto: Vatican Media

O que é a ‘inculturação’ da Amazônia?

A inculturação do Evangelho na Amazônia envolve ter uma Igreja “com perfume marcadamente social”, sempre associada à noção de que Cristo reina sobre toda a Criação e que a Eucaristia “assume os elementos do mundo, dando a cada um o sentido do dom pascal”. (QA 74)

A difusão da mensagem do Evangelho na Amazônia deve levar em consideração as culturas locais, pois “o cristianismo não tem um único modo cultural”. (QA 68) O Papa diz que é possível incorporar algumas práticas, mitos, cantos, danças e símbolos dos povos originários nas orações e liturgias comunitárias, desde que em sintonia com a tradição da Igreja, orientação que já vem do Concílio Vaticano II. (QA 79, 82) Levar o Evangelho não implica impor a cultura dos evangelizadores. (QA 68)

Mas não basta para o ser humano o “desenvolvimento material”. E sim uma integração entre o social e o espiritual. “Portanto, não se trata de uma religiosidade alienante e individualista que cale as reclamações sociais por uma vida mais digna, mas tampouco se trata de mutilar a dimensão transcendente e espiritual como se ao ser humano bastasse o desenvolvimento material”, diz ele. (QA 76)

Citando São João Paulo II, Francisco reitera que a cultura “não é somente sujeito de redenção e elevação, mas pode também ter um papel de mediação e de colaboração”. Escutar os idosos e aprender com a sabedoria ancestral é um exemplo de como isso pode se manifestar concretamente. (QA 67, 70)

Foto: TNeto / Pixabay

Missão e ministérios

É preciso levar os sacramentos às áreas mais remotas e escondidas da Amazônia, especialmente a Eucaristia. Para isso, “a resposta está no sacramento da ordem sagrada” que capacita o padre a presidir a missa. “Essa é sua função específica, principal e indelegável”, diz o Papa.

O que define o sacerdote não é o poder ou “o fato de ser a máxima autoridade da comunidade”, mas o sentido de que “Cristo é a fonte de graças”. Portanto, somente o sacerdote pode presidir a Eucaristia, que representa a unidade da Igreja, absolver os pecados e conferir a Unção dos Enfermos, lembra Francisco. (QA 84, 87, 88, 91)

O Papa admite que “é preciso encontrar um modo para assegurar esse ministério sacerdotal” nas circunstâncias específicas da Amazônia.

Mas, além disso, homens e mulheres leigos, bem como as religiosas, podem “anunciar a Palavra, ensinar, organizar suas comunidades, celebrar alguns sacramentos [matrimônio e batismo], buscar diferentes canais para a piedade popular e desenvolver a multitude de dons que o Espírito derrama neles”.

A formação desses agentes deve ser bíblica, doutrinal, espiritual e prática, com ênfase na singularidade das mulheres “fortes e generosas”, certamente “chamadas e impulsionadas pelo Espírito Santo”. (QA 89, 93) Esses líderes “precisam do reconhecimento público e envio por parte do bispo” para que sejam legitimados nas comunidades. (QA 103)

Foto: Katiabraga / Pixabay

O anúncio principal

Na visão do Papa Francisco, o chamado “primeiro anúncio” ou “kerygma”, na palavra grega, é o principal, e precisa chegar a todos, pois, gradualmente, ele se consolida na fé e na comunidade. “É o anúncio de um Deus que ama infinitamente cada ser humano, que manifestou plenamente esse amor em Cristo crucificado por nós e ressuscitado em nossas vidas”, afirma. (QA 64).

O Papa faz uma referência à sua exortação anterior, a “Christus Vivit”, publicada após o Sínodo sobre os jovens. Nela, diz que é preciso anunciar “um Deus que é amor”, a ideia de que “Cristo te salva”, que “Ele vive” e que “O Espírito dá vida”. Anúncio que ele dizia se referir a todos os jovens, mas serve também para a Amazônia.

“Sem esse anúncio apaixonado, cada estrutura eclesial se converterá em uma ONG a mais, e assim não responderemos ao pedido de Jesus Cristo: ‘vão por todo o mundo e anunciem o Evangelho a toda a criação’.”

Papa Francisco, ‘Querida Amazônia’, n. 64

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