Veja os principais pontos do documento ‘Querida Amazônia’ do Papa Francisco

O Papa Francisco publicou nesta quarta-feira (12) o documento com suas reflexões finais sobre os temas do Sínodo dos Bispos da Amazônia, realizado em outubro de 2019. Abaixo, algumas ideias principais desse texto.

Intitulada “Querida Amazônia“, a exortação apostólica pós-sinodal aborda o que o próprio Francisco define como seus “sonhos” para a região amazônica e a presença da Igreja nos nove países que dela participam.

Foto: Vatican Media

Francisco decidiu não decidir sobre as duas propostas mais controversas do Sínodo: a possibilidade de permitir que homens casados se tornem padres para atender melhor os povos da Amazônia; e a eventual instituição de um diaconato feminino, ou outro ministério específico para as mulheres.

O Papa sequer menciona o primeiro tema, dos homens casados de boa reputação, chamados “viri probati”, que poderiam ser ordenados padres. O segundo tema, mais complexo, depende de uma análise histórica do diaconato na Igreja. Francisco repete que não é necessário clericalizar as mulheres para que elas tenham um papel de relevância na Igreja.

Papa Francisco não “rejeitou” essas propostas, como foi dito em parte da imprensa. O Sínodo não é um parlamento, que apresenta projetos de lei a serem aprovados ou vetados. É um organismo de encontro e debate. Mas, de fato, o Papa entende que não são ideias maduras o suficiente, ou não são prioridades de seu pontificado.

Foto: Robin Noguier/Unsplash

Ele explicitamente diz que sua intenção não era abordar todos os temas tratados no Sínodo: “Não quis nem substituí-lo nem repetí-lo”, afirma.

Há muito mais em ‘Querida Amazônia’

O cardeal Michael Czerny, aliado próximo de Francisco que ajudou a redigir o documento, definiu o texto como “uma carta de amor à Amazônia”.

Além disso, o Papa faz duras críticas ao modelo de desenvolvimento que vem sendo praticado na Amazônia, especialmente quando há exploração internacional e conivência dos governos. Ele defende os direitos e as culturas dos povos tradicionais e dos pobres da Amazônia.

Veja alguns outros pontos principais:

  • Sonhos para a Amazônia. Francisco trata de quatro grandes áreas, que chama de “sonhos”. 1) Social: a luta pelos direitos dos mais pobres e dos povos indígenas; 2) Cultural: A preservação da riqueza cultural; 3) Ecológico: A preservação do ambiente natural; 4) Eclesial: A “encarnação” da Igreja nas comunidades cristãs, uma igreja com “rosto amazônico”.
  • Nova mentalidade. A Amazônia não é apenas um território vazio a ser ocupado. Com a desculpa de levar desenvolvimento, territórios e povos foram inteiramente devastados. Os povos indígenas devem ser consultados sempre.
  • Novos modelos de negócios. Francisco propõe adotar alternativas no agronegócio que sejam sustentáveis, usem energiais limpas e ofereçam empregos.
  • Internacionalização. Francisco rejeita a ideia de que é preciso transformar a Amazônia em território internacional. Em vez disso, chama os governos nacionais às suas responsabilidades.
  • Pedido de desculpas. Francisco repete falas já feitas no passado, dizendo que, historicamente, nem sempre a Igreja esteve do lado dos mais oprimidos.
  • Opção pelos mais pobres. Franciso reitera essa escolha da Igreja, que recebeu ênfase especial nos documentos dos bispos da América Latina.
  • Inculturação. Francisco incentiva a adoção de práticas e elementos da cultura amazônica nas atividades da Igreja, inclusive na liturgia.
  • Falta de padres. Francisco pede que os bispos do mundo sejam mais generosos ao enviar missionários para a Amazônia. E pede orações pelas vocações. Também incentiva as religiosas e os leigos a assumirem mais responsabilidades.
  • Papel das mulheres. Francisco reconhece a grande importância das mulheres na pastoral da Amazônia e incentiva que sejam parte das decisões, mas sem “clericalizá-las”.
  • Relação com evangélicos. Francisco não trata diretamente do tema, mas pede diálogo entre os cristãos, com foco naquilo que os uune, e não no que os separa.

Trechos do documento

Abusar da natureza é abusar das pessoas

Foto: Sébastien Goldberg/Unsplash

“Se o cuidado das pessoas e o cuidado dos ecossistemas são inseparáveis, isto se torna particularmente significativo lá onde a floresta não é um recurso para explorar, é um ser ou vários seres com os quais se relacionar. […] Abusar da natureza significa abusar dos antepassados, dos irmãos e irmãs, da criação e do Criador, hipotecando o futuro.” (n. 42)

Terras indígenas

“A Amazônia tem sido apresentada como um enorme vazio que deve ser ocupado, como uma riqueza em estado bruto que deve se desenvolver, como uma vastidão selvagem que precisa de ser domesticada. Tudo isso com um olhar que não reconhece os direitos dos povos nativos ou simplesmente os ignora como se não existissem e como se essas terras onde habitam não lhes pertencessem.” (n. 12)

Diálogo com povos indígenas

“A Amazônia deveria ser também um local de diálogo social, especialmente entre os diferentes povos nativos, para encontrar formas de comunhão e luta conjunta.[…] Eles são os principais interlocutores, dos quais primeiro devemos aprender, a quem temos de escutar por um dever de justiça e a quem devemos pedir permissão para poder apresentar as nossas propostas.” (n.26)

Opção preferencial pelos pobres

“A autêntica opção pelos mais pobres e abandonados, ao mesmo tempo que nos leva a libertá-los da miséria material e defender os seus direitos, implica propor-lhes a amizade com o Senhor que os promove e dignifica. Seria triste se recebessem de nós um código de doutrinas ou um imperativo moral, mas não o grande anúncio salvífico, esse grito missionário que aponta para o coração e dá sentido a todo o resto. Tampouco podemos nos conformar com uma mensagem social.” (n. 63)

Diversidade cultural

“Cada povo que conseguiu sobreviver na Amazônia tem sua identidade cultural e uma riqueza única num universo multicultural, devido à estreita relação que os habitantes estabelecem com o meio ao seu redor, numa simbiose – não determinista – difícil de entender com esquemas mentais externos.” (n. 31)

Exploração e conivência dos governos

“Quando algumas empresas sedentas de lucro fácil se apropriam dos territórios, chegando a privatizar até a água potável, ou quando as autoridades dão livre acesso a madeireiros, a projetos de mineração ou petrolíferos e outras atividades que devastam as florestas e contaminam o ambiente, transformam-se indevidamente as relações econômicas e tornam-se um instrumento que mata.” (n. 14)

Economia verde

“Podem-se buscar alternativas de pecuária e agricultura sustentáveis, de energias que não contaminem, de fontes dignas de trabalho que não impliquem a destruição do meio ambiente e das culturas. Simultaneamente é preciso garantir, para os indígenas e os mais pobres, uma educação adaptada que desenvolva as suas capacidades e os empodere.” (n.17)

Papel de equilíbrio global da Amazônia

“Quando se elimina a floresta, ela não é substituída, porque resta um terreno com poucos nutrientes que se transforma num território desértico ou pobre em vegetação. Isto é grave, porque, nas entranhas da floresta amazônica, subsistem inúmeros recursos que poderiam ser indispensáveis para a cura de doenças. Os seus peixes, frutos e outros dons abundantes enriquecem a alimentação humana. Além disso, num ecossistema como o amazônico, é incontestável a importância de cada parte para a conservação do todo.” (n. 48)

A fé cristã na Amazônia

“Certamente há que apreciar esta espiritualidade indígena da interconexão e interdependência de toda a criação, espiritualidade de gratuidade que ama a vida como dom, espiritualidade de admiração sagrada diante da natureza que nos transborda com tanta vida.” (n. 73)

Foto: Vinicius Löw/Unsplash

Pedido de perdão

“… não podemos negar que o joio se misturou com o trigo e que nem sempre os missionários estiveram do lado dos oprimidos, me envergonho e mais uma vez peço humildemente perdão, não só pelas ofensas da própria Igreja, mas também pelos crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América e pelos crimes atrozes que se seguiram ao longo de toda a história da Amazónia.” (n.19)

Papel das mulheres

“Isto nos convida a alargar o horizonte para evitar reduzir a nossa compreensão da Igreja a estruturas funcionais. Esse reducionismo nos levaria a pensar que só se daria às mulheres um status e uma participação maior na Igreja se lhes fosse concedido acesso à Ordem sacra. Mas esse ponto de vista, na realidade, limitaria as perspetivas, nos levaria a clericalizar as mulheres, diminuiria o grande valor do que elas já deram e sutilmente causaria um empobrecimento da sua contribuição indispensável.” (n. 100)

Faltam padres, falta missa

“Nas circunstâncias específicas da Amazônia, especialmente nas suas florestas e lugares mais remotos, é preciso encontrar um modo para assegurar este ministério sacerdotal. Os leigos poderão anunciar a Palavra, ensinar, organizar as suas comunidades, celebrar alguns sacramentos, buscar várias expressões para a piedade popular e desenvolver os múltiplos dons que o Espírito derrama neles. Mas precisam da celebração da Eucaristia, porque ela ‘faz a Igreja’, e chegamos a dizer que nenhuma comunidade cristã se edifica sem ter a sua raiz e o seu centro na celebração da Santíssima Eucaristia. Se acreditamos de verdade que isso é assim, é urgente evitar que os povos amazônicos estejam privados desse alimento de vida nova e do sacramento do perdão.” (n. 89)

Relação com os outros cristãos

“Como cristãos, a todos nos une a fé em Deus, o Pai que nos dá a vida e tanto nos ama. […] Une-nos a convicção de que nem tudo acaba nesta vida, mas estamos chamados para a festa celeste, onde Deus enxugará as nossas lágrimas e recolherá o que tivermos feito pelos que sofrem. Tudo isso nos une. Como não lutar juntos? Como não rezar juntos e trabalhar lado a lado para defender os pobres da Amazônia, mostrar o rosto santo do Senhor e cuidar da sua obra criadora?” (n. 109-110)

*Tradução livre do espanhol (língua original). As traduções oficiais do Vaticano são uma mistura de italiano com português de Portugal e, por isso, soam estranhas para brasileiros.

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