Uma geral sobre a renúncia do Papa, o conclave e os problemas na Igreja

papa-bento-XVI-233Como era de se esperar, a renúncia do Papa Bento XVI tem provocado muita especulação. Queremos neste post tentar organizar um pouco certas ideias e, sem grandes pretensões, na medida do possível, formar uma base para que o leitor possa pensar melhor sobre o que está acontecendo, num momento tão único e delicado para a Igreja Católica.

Como dizemos na descrição deste blog, o mundo é mais complexo do que gostaríamos. Nem tudo são flores, mas tampouco é o fim do mundo ou da Igreja – pelo contrário. O post está longo, porque o tema é grande. Por isso, dividimos o texto em 5 tópicos curtos, para facilitar sua leitura:

A RENÚNCIA – O que vimos foi um fato histórico: a última vez que um Papa renunciou foi há quase 600 anos. E, como todo fato histórico, não aconteceu de uma hora para outra. Foi uma decisão pessoal e livre. Evidência: como já havíamos dito em março de 2012, a saúde de Bento XVI é frágil e ele, que tem 85 anos, há muito tempo considerava essa possibilidade. Bento XVI disse há mais de dois anos que não hesitaria em fazê-lo caso não se sentisse em condições “físicas, psicológicas e espirituais” para ser Papa. Ele governará a Igreja até as 20 horas de 28 de fevereiro de 2013.

Agora, duas semanas após o anúncio, ficou mais claro que nenhum fato específico levou o Papa à decisão, mas sim toda uma conjuntura, uma série de fatores, que aos poucos o fizeram perceber que o “ministério petrino” (referência ao apóstolo Pedro) se tornou pesado demais. Entre eles: a rotina intensa de reuniões, celebrações, viagens longas, preparação de documentos, nomeações, aparições públicas, etc; os grandes desafios que a Igreja enfrenta no mundo, como a secularização, o distanciamento dos jovens, o crescimento dos grupos evangélicos, dificuldades no diálogo com outras religiões; e os recentes escândalos, como a divulgação de documentos sigilosos (VatiLeaks), a corrupção em obras da Igreja, a pedofilia praticada por membros do clero, as disputas de poder na Cúria Romana…

imageangelos873Para lidar com tudo isso, “é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado”, afirmou Bento XVI no momento da renúncia. Ou seja, não foi só o cansaço físico, nem só problemas de saúde, nem só os escândalos, nem só disputas de poder. O Papa está ciente de que a Igreja precisa de um líder com mais disposição e mais força para enfrentar todos esses grandes desafios, que vão da Nova Evangelização até os problemas estruturais. Enfim, Bento XVI afirmou na Quarta-Feira de Cinzas que a Igreja precisa ser “verdadeiramente renovada”.

Fato é que a renúncia abre um precedente histórico, segundo o vaticanista italiano Andrea Tornielli (leia mais aqui). Outros haviam pensado em renunciar no passado – como João Paulo II, por exemplo – mas nunca o fizeram porque temiam que o papado pudesse perder força, como instituição. Temiam ser mal interpretados e abrir as portas para outras renúncias inadequadas ou até golpes contra o sumo-pontífice. Mas, consciente de que não seria mais de capaz de responder à altura a necessidades urgentes, Bento XVI renunciou “para o bem da Igreja”. Para os próximos Papas, certamente fica mais fácil fazer o mesmo se for preciso.  Não se sabe que efeitos isso terá no futuro, mas sabe-se que Bento XVI reagiu de forma corajosa e nova, num mundo que exige respostas novas a problemas novos.

Outros Papas idosos também cogitaram renunciar
Outros Papas também cogitaram renunciar

DIVISÕES NA IGREJA – Já mencionamos alguns dos principais desafios da Igreja atualmente. Mas um dos problemas sobre os quais mais se falam por aí são as disputas internas. Como já dissemos, elas são relevantes, mas não são a única causa para a renúncia.

De qualquer forma, basta observar as mensagens do Papa Bento XVI nas últimas semanas de pontificado para ver que esse problema não é para ser ignorado, nem por seu sucessor nem pela sociedade. Numa mensagem para todos os fiéis do mundo, ele criticou o que chamou de “hipocrisia religiosa” e a instrumentalização da fé para benefício pessoal, praticadas por alguns membros do clero. São essas algumas de suas maiores preocupações.

Por quê? Porque Bento XVI tentou fazer grandes reformas na estrutura e na administração da Igreja e, de fato, conseguiu melhorar muita coisa. As maiores delas foram a criação de padrões para combater a pedofilia e uma mudança de comportamento em relação ao problema. Existem documentos claros sobre como evitar e agir nessas situações, como atender as vítimas, etc. Também foi ele quem começou a reformar o sistema financeiro do Vaticano, adaptando-o aos padrões internacionais – reforma importantíssima sobre a qual já falamos detalhadamente (Leia mais).

Porém, em ambos os casos há muita coisa ainda só no papel. Quando se fala em mexer em estruturas antigas e consolidadas, é previsto que exista forte resistência interna. Portanto, o Papa fez o que podia fazer e preferiu deixar o caminho livre para alguém com mais vigor, inclusive politicamente. Com sua saída, um governo novo pode chegar, possibilitando melhorias mais radicais.

INVESTIGAÇÃO VATILEAKS – Outro assunto importante que está circulando hoje diz respeito à comissão de cardeais que investigou o vazamento de documentos sigilosos do Papa e do Vaticano, nomeada por Bento XVI. Esses cardeais se reuniram com o Papa e ficou decidido que o relatório final da investigação, sigiloso, não será divulgado aos cardeais eleitores, mas apenas ao novo pontífice. A imprensa italiana – mais especificamente a revista Panorama e o jornal La Reppublica – publicaram fortes reportagens sobre esse assunto nas últimas semanas, dizendo que o conteúdo dos documentos envolve problemas como corrupção e prostituição praticadas por membros da Cúria Romana. Bento XVI e os cardeais da comissão, conscientes da complexidade do problema e de que não dá para resolver só com documentos, decidiram que somente um novo Papa terá os instrumentos necessários para resolver tudo isso. 

downloadconclave333CONCLAVE – Nesse grande contexto, ainda não se sabe ao certo o que os cardeais eleitores querem para o futuro da Igreja. Agora eles são 116, depois da desistência de um cardeal indonésio, por doença, e da renúncia de um cardeal inglês, por ter supostamente mantido relações pessoais inapropriadas. De qualquer forma, o que se fala em Roma é que muito provavelmente o próximo Papa será um sexagenário ou, no máximo, alguém que está na casa dos 70 anos. Afinal, não faria muito sentido eleger um Papa muito velho depois da renúncia de um Papa idoso.

A grande notícia hoje foi o fato de que Bento XVI mudou algumas regras para o conclave, reunião em que se elege o novo Papa. Ele deixou aberta a opção para que os cardeais decidam se querem antecipar ou não o início da votação. De acordo com a norma anterior, elaborada por João Paulo II em 1996, o conclave só poderia começar depois de 15 dias do início da chamada sede vacante, isto é, o período em que não se tem um Papa e a Igreja é governada pelo colégio de cardeais. O objetivo da regra original era permitir que todos os cardeais pudessem chegar a Roma em tempo para a votação.

Alguns cardeais preferem iniciar logo o conclave, já no início de março, considerando que desta vez não houve a morte de um Papa e, portanto, todos os eleitores já sabem há duas semanas que terão de estar em Roma. Assim, haveria um Papa novo antes da Páscoa. Tampouco há necessidade de realizar funerais, pois o antigo Papa está vivo. Por outro lado, outros cardeais querem chegar a Roma com calma e ter tempo de conversar com todo mundo, ver o que está acontecendo e o que os outros acham. Temem que apressar o conclave possa favorecer a eleição de “nomes prontos”, ou seja, uma eleição com pouca reflexão, meio no piloto automático, que acabaria levando ao trono de bate e pronto um dos favoritos ao papado. Talvez encontrem um meio termo nessa questão do tempo.

A IMPRENSA –  Realmente alguns representantes da imprensa internacional estão exagerando na especulação neste momento  – esquecendo princípios básicos do jornalismo – e aproveitando a chance para mostrar todos os problemas da Igreja. Vale lembrar também que grandes veículos de comunicação têm lá seus grandes proprietários com seus grandes objetivos.

A imprensa, que atualmente funciona a mil quilômetros por hora, com poucos recursos e jornalistas muitas vezes mal informados, quer a cada segundo revelar algo novo. Acaba se esbaforindo e deixando de lado o compromisso de se ater aos fatos, e não aos boatos, às intrigas internas, às fontes duvidosas.

Por outro lado, também a Igreja, como instituição, ainda não aprendeu a lidar com um mundo em que a informação corre rapidamente e onde, se a informação não for divulgada por vias oficiais, pode acabar sendo divulgada por vias paralelas.

images-salastampaExemplo: coisas aparentemente pequenas, como a cirurgia de rotina que Bento XVI fez no coração para trocar a bateria de seu marca passo, viraram grandes especulações internacionais porque o Vaticano não divulgou essa informação no momento oportuno, há meses.

Enfim, temos aí uma relação delicada entre duas instituições que veem o mundo de forma totalmente diversa. A Igreja, busca uma visão mais intelectual, refletida, espiritual, organizada e lenta; a Imprensa quer uma visão mais materialista, prática, objetiva, quantificada, secular e rápida. Esse descompasso não é novo e ainda vai dar muito problema no futuro.

De qualquer forma, apesar de todos os problemas e especulações aparentemente negativas com relação à Igreja, o momento pode ser altamente favorável. Se os cardeais eleitores souberem aproveitar os limões para fazer limonada, uma grande mudança positiva para a Igreja e para o mundo pode estar por vir. A Igreja tem uma chance única de iniciar novas reformas estruturais com um novo pontificado mais moderno na forma – já sobre o conteúdo não cabe a nós discutir aqui, mas aos filósofos, teólogos, religiosos, etc.

Talvez seja a hora de aparecer um líder com experiência administrativa e pastoral. Talvez alguém com um olhar  diferente, moderno, com soluções inovadoras e criativas. Talvez.

Um comentário em “Uma geral sobre a renúncia do Papa, o conclave e os problemas na Igreja

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